Reforma tributária: entenda a proposta do governo
Se você chegou até aqui, com certeza já deve ter lido o primeiro artigo da nossa série sobre a Reforma Tributária – As idas e vindas da reforma tributária. Caso não tenha lido, indicamos a leitura! No texto, apresentamos o cenário formado pelas quatro propostas que estão em maior evidência na atualidade.
No artigo de hoje, vamos abrir e entender a versão original e o novo pacote da proposta do governo, seus respectivos reflexos para o dia a dia do cidadão e das empresas. Além da apresentação das propostas, convidamos o especialista em Auditoria Tributária e Planejamento Tributário da Contavista, Vinícius Carvalho, que fez as análises que você confere a seguir!
A proposta original
A versão original da proposta do governo não teve muitos detalhes divulgados porque um dos seus grandes pilares foi rejeitado por Jair Bolsonaro. Segundo José Barroso Tostes Neto, secretário da Receita Federal, ela seria baseada em três pilares:
. Criação de um imposto único sobre bens e serviços;
. Reformulação do imposto de renda;
. Implementação de uma contribuição sobre pagamentos (CP), nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF).
Opinião do especialista
Apesar de ter sido abandonada e totalmente recusada, acredito que a proposta do governo poderia ser uma boa opção de modelo tributário se houvesse desoneração sobre a folha de pagamento e redução sobre o imposto único a ser criado.
Digo isso porque a reformulação do imposto de renda já vem sendo discutida desde o período eleitoral. A priori, ocorreria um aumento nas faixas progressivas para retenção na fonte, dando mais poder de isenção para pessoas que hoje tem o recolhimento mensal e tributação sobre distribuição de lucros – hoje isentas.
O impacto disso para o empresário brasileiro seria a reformulação do modo como são retirados os recursos da empresa. Isso levaria ao abandono de uma prática comum, porém, errada, de lançamento de qualquer retirada a título de distribuição de lucros.
Teríamos uma migração desses valores para pró-labore, tendo em vista que a faixa de isenção seria aumentada e possivelmente a tributação retida na fonte seria inferior à de distribuição de lucros – o que dentro dos moldes “atuais” e nos moldes “projetados” seriam contabilizados como despesas. Para empresas optantes pelo Lucro Real, estas seriam despesas dedutíveis, resultando na desoneração de 24% até 34% sobre IRPJ/CSLL.
Quanto a criação do imposto único, ele poderia ser viável tanto para a máquina pública quanto para o consumidor dentro do seguinte formato: se fossem incorporados todos os tributos indiretos e se estivesse em uma alíquota semelhante ao Tax americano, aplicado sobre o consumo em sistemática de imposto “por fora”. Neste caso, seria necessário apenas simplificar e aplicar o novo sistema com uma alíquota reduzida, tendo em vista que ainda teríamos a CPMF.
Falando em CPMF, que historicamente veio como um acréscimo a carga tributária geral brasileira, esta deveria vir apenas como um substitutivo a contribuições de hoje – que com a reforma da previdência representam no mínimo 7,5% do salário in natura.
Na prática, a concentração tributária ficaria sobre transações que geram maiores movimentos. Além disso, haveria incidência tributária sobre toda e qualquer atividade, independente da sua origem lícita ou não, ou seja, a sonegação como um todo reduziria substancialmente.
É importante frisar que as ressalvas acima são situações hipotéticas, que levam em consideração um cenário com números das alíquotas demasiadamente baixos – o que possivelmente não seria a realidade. Acredito que por esse motivo (e pela rejeição pública que impacta a popularidade do governo) a proposta tenha sido rejeitada.
Novo pacote de medidas
O novo pacote de medidas foi dividido em quatro partes. A primeira fase (que aguarda o “timing político” para ser enviada ao Congresso) contempla a unificação do PIS e da COFINS para criação da Contribuição sobre Bens e Serviços, onde as alíquotas podem variar entre 11% e 12%. Isso resultaria no fim da desoneração da cesta básica.
A segunda etapa, que consiste na mudança quanto ao IPI e uma possível revisão sobre a Cide, está prevista para rodar no início de 2020. A ideia é transformar o IPI em um imposto regulatório sobre produtos como cigarros, bebidas e alguns veículos, com alíquotas específicas para cada um.
A terceira etapa seria a reformulação completa do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e Jurídica (IRPJ), já com aplicação no primeiro trimestre de 2020. As principais características seriam a redução da tributação sobre o lucro (IRPJ+CSLL) de 34% para 20% ao longo de um período entre cinco e oito anos.
Quanto ao IRPF, a ideia seria a redução das faixas de renda para cálculo do imposto e fixação de um limite geral para deduções de gastos com saúde e educação, além da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas e sócios.
A última etapa seria a desoneração do custo da folha de salários das empresas, também prevista para meados de 2020, com eliminação progressiva dos encargos.
Opinião do especialista
O impacto da unificação do PIS e da COFINS seria imediato para o setor produtivo, tendo em vista que hoje, em alíquota básica, trabalhamos com 9,25% para empresas optantes pelo Lucro Real e 3,65% para empresas optantes pelo Lucro Presumido. Ou seja, as empresas contribuintes sofrerão um aumento substancial e imediato na carga.
Além disso, o projeto inclui como medida a desoneração da cesta básica, ou seja, o impacto nestes produtos será ainda maior, pois sairão de uma alíquota de 0% para uma de até 12%.
Se porventura a sistemática da não cumulatividade for mantida e não houver prerrogativas para a cumulatividade para empresas optantes pelo Lucro Presumido, será necessária uma readequação contábil com possíveis reflexos sobre os custos operacionais.
Outra necessidade seria a revisão do impacto sobre o Simples Nacional, tendo em vista que hoje são praticadas alíquotas e tratativas diferenciadas, como sistema monofásico e substituição tributária que são concentrados sobre as indústrias.
Caso os métodos de cálculos sejam mantidos e as permissões para aproveitamento de créditos também não sejam alteradas, os custos tributários sofrerão um aumento de forma imediata e permanente que será repassado para o consumidor. Por consequência, além do aumento dos preços, haverá diminuição do poder de compra do brasileiro.
Sobre as medidas da segunda etapa, estas podem incidir na redução global da carga tributária – considerando a retirada integral do IPI sob grande parte dos produtos comercializados. Porém, existe o alto risco de absorção dos lucros provenientes dessa redução por parte da indústria – que historicamente faz esse procedimento quando sofre uma desoneração para aumentar a cadeia produtiva.
Olhando por uma ótica positiva, caso ocorra a saída de produtos do regime monofásico e de substituição tributária para a Contribuição sobre Bens e Serviços, os valores de produtos como combustíveis, medicamentos, bebidas frias, cosméticos etc. tendem a diminuir.
Também é preciso considerar que a exclusão do IPI poderá ser repassada integralmente para o varejista. Se houver uma ação fiscalizatória do governo, maiores serão as chances do repasse chegar ao consumidor final. Com isso, o poder de compra das empresas e da população pode melhorar, tudo depende do senso como um todo das etapas da cadeia.
Além disso, o caminho desse novo sistema direciona as empresas para uma real necessidade de planejamento tributário. Só assim será possível lidar com esse impacto sem grandes interferências na lucratividade do negócio.
A partir da terceira etapa, o cenário tributário tende a melhorar como um todo se o planejamento for bem gerenciado. Digo isso porque a mudança nas faixas para imposto de renda subirá a faixa de isenção e aumentará as faixas com alíquotas reduzidas, diminuindo a tributação sobre salários e o rendimento in natura.
A compensatória estará sobre o empreendedor, que hoje tem isenção sobre distribuição de lucros e agora passará a ter incidência de imposto de renda. Esse cenário, se não for bem gerenciado, pode acarretar o aumento na carga tributária dos sócios e da empresa ou, inclusive, na quebra de um dos principais princípios da contabilidade: o da Entidade.
É provável que aconteça um efeito migratório de regularização de uma situação
comum em muitas empresas – a retirada de recursos a título de distribuição mesmo que não representem essa finalidade. A projeção é que ocorra um equilíbrio que refletirá a verdade dos fatos, com o pró-labore lançado efetivamente como tal e a distribuição restrita apenas quando ocorrer de fato.
Os benefícios trarão reflexos diretos nos lucros da empresa, tendo em vista que o pró-labore é caracterizado como despesa, enquanto distribuição de lucros não. Na sistemática do Lucro Real, toda despesa pode reduzir até 34% para fins de IRPJ e CSLL – pelo novo pacote de medidas, passaria para 20%.
Já a quarta etapa vem para melhorar a sistemática tributária das empresas brasileiras, tendo em vista que quase metade da carga tributária do varejista está concentrada em tributos sobre a folha de pagamento. Digo isso tanto para empresas normais que pagam o INSS patronal, como para empresas do Simples Nacional que pagam apenas o INSS descontado.
Uma das necessidades em consequência dessa medida seria a revisão imediata no Simples Nacional, já que praticamente metade do que se é pago nesse sistema representa o INSS.
Olhando as medidas do novo pacote de medidas do governo, seria necessária a revisão das faixas do Simples para exclusão do INSS e ajuste para a contribuição substitutiva do PIS e da COFINS. Para empresas normais a economia pode ser mais expressiva, pois o projeto prevê a exclusão das guias previdenciárias pagas hoje – que em média representam 28,8% do salário de cada empregado.
Em suma, a proposta é boa. Se as medidas forem bem fiscalizadas desde a etapa inicial e de fato houver um tempo de transição semelhante e simultâneo (tanto para o que há de aumentar quanto para o que há de diminuir), o saldo pode ser positivo para o varejista.
Teremos um sistema tributário mais diluído e justo, com uma carga tributária menor do que a praticada hoje. Porém, todas as medidas precisam ser analisadas com profundidade, pois geram impactos em diversas áreas. Também é preciso reformular as obrigações fiscais que são entregues mensalmente para que atendam as novas necessidades que estão por vir.